Em reportagem deste domingo (25), o Fantástico mostrou que o projeto Jampa Digital, anunciado em março de 2010 e que previa oferecer internet gratuita e sem fio a todos os moradores de João Pessoa, na Paraíba, não está funcionando, dois anos após o lançamento.
O programa exibiu um vídeo da festa de anúncio do projeto, com presença do ministro das Cidades, Aguinaldo Ribeiro, à época secretário de Ciência e Tecnologia de João Pessoa.
Num show de rock numa praia da capital paraibana, Ribeiro declarou: "Está aí, internet de graça para toda a galera de João Pessoa. Parabéns". O Jampa Digital previa que a cidade se tornaria a primeira capital digital do país, que também seria monitorada por câmeras e teria as escolas informatizadas.
Durante 30 dias, de dia e à noite, no final de semana, a reportagem tentou várias conexões em diversos pontos da cidade e não obteve sucesso. Um professor de computação e um engenheiro eletrônico consultados apontaram problemas no sistema.
O Fantástico apontou ainda indícios de que equipamentos foram comprados por preços acima do usual no mercado. A empresa Ideia Digital Sistemas, Consultoria e Comércio Ltda, foi a responsável pela implantação do projeto. ambém ficou responsável pela instalação e manutenção. O contrato da empresa com a Prefeitura de João Pessoa foi assinado pelo antecessor de Ribeiro na secretaria municipal.
Contato com a empresaNo mês passado, um produtor do programa fez contato com um representante da Ideia Digital e simulou ser assessor de uma prefeitura interessada em pôr internet de graça na cidade. O contato foi feito com autorização do prefeito. Em uma reunião no último dia 7, sem saber que era gravado, um outro representante, que se apresentou como Paulo Sacerdote, falou em propina ao produtor. "Vocês vão ter que informar pra gente o percentual. Não estou aqui me fechando a nada. Mas, normalmente, o que vem se praticando é 5% a 10%. Dos negócios em que eu atuei, foi mais ou menos isso. Assim que a gente receba o recurso, uma parte do valor, a gente programa o que vai passar para vocês", disse.
Em julho de 2009, a Ideia Digital ganhou a concorrência para fornecer 75 itens, entre equipamentos e programas de informática, para a Prefeitura de João Pessoa. A equipe do Fantástico fez levantamento de preços e também consultou especialistas em informática. Verificou que diversos equipamentos do contrato estavam com preço acima do praticado no mercado. Como exemplo, a reportagem citou que a Ideia Digital vendeu para a prefeitura 16 câmeras de segurança, cada uma por cerca de R$ 32 mil. É o mesmo modelo de câmera que em 2008 outra empresa ofereceu por menos de R$ 11 mil ao Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Norte.
Ministro das CidadesNo vídeo exibido pelo Fantástico da festa de apresentação do Jampa Digital, Aguinaldo Ribeiro é apresentado por um dos presentes como "a pessoa responsável pela implantação desse projeto transformador".
Aguinaldo Ribeiro se elegeu duas vezes deputado estadual pelo Partido Progressista. De agosto de 2008 a fevereiro de 2009, foi secretário de Ciência e Tecnologia do estado da Paraíba. Reportagens de jornais da região publicadas na época mostravam que ele já falava em distribuidor internet para a população.
Em dezembro de 2009, Ribeiro assumiu a secretaria municipal de Ciência e Tecnologia de João Pessoa. No dia da posse, o então prefeito, Ricardo Coutinho, afirmou: "Há algum tempo, Aguinaldo Ribeiro acompanha o processo de implantação do Jampa Digital". Três meses depois, Ribeiro inaugurou o projeto.
Dez dias depois da inauguração, lembra o Fantástico, ele deixou a secretaria, para entrar na campanha que o elegeria deputado federal.
Um relatório de inteligência financeira - feito a partir de informações repassadas pelos bancos - aponta movimentações classificadas como atípicas aponta movimentações classificadas como atípicas em contas bancárias de Ribeiro.
De acordo com o documento, essas transações aconteceram em agosto de 2006, setembro de 2007, agosto de 2008 e entre janeiro e outubro de 2009. O Fantástico observou, contudo, que movimentação atípica não significa ilegal. Para verificar se houve ou não crime, o relatório foi entregue a procuradores e à Polícia Federal. Os órgãos públicos, porém, não se manifestam sobre apurações desse tipo que estão em andamento.
Outro ladoProcurado pelo Fantástico, o ministro não quis gravar entrevista. A assessoria dele divulgou 2 ofícios endereçados ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da Paraíba. Nos ofícios, Aguinaldo Ribeiro diz que, quando assumiu a secretaria de Ciência e Tecnologia de João Pessoa, a licitação e a contratação do Jampa Digital já tinham sido concluídas e que nunca liberou recursos para o projeto. Ele afirma ainda que há mais de 20 anos exerce atividade empresarial e que sua movimentação financeira é compatível com o patrimônio declarado à Receita.
No ofício encaminhado à Procuradoria-geral de Justiça e ao Tribunal de Contas da Paraíba, o ministro Ribeiro solicitou que as denúncias mostradas nessa reportagem fossem apuradas.
A prefeitura de João Pessoa disse ao Fantástico que está investindo R$ 1,5 milhão no projeto e que o governo federal repassou R$ 4,7 milhões. O ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação confirmou esse valor. Disse ainda que a prefeitura informou, numa prestação de contas em agosto de 2011, que 11 dos 20 pontos públicos de acesso à internet teriam sido instalados.
Ricardo Coutinho, que era prefeito de João Pessoa na época da inauguração do Jampa e hoje é governador da Paraíba, também não quis gravar entrevista. Em nome dele, falou ao Fantástico o procurador-geral do estado Gilberto Carneiro da Gama: “Pode estar tendo algum problema de natureza técnica para efeito de acessar. Agora, que os equipamentos estão lá, estão”. Gama era secretário de administração de João Pessoa e chegou a assinar contratos relativos ao Jampa. Diz que a contratação da empresa ideia digital seguiu a lei.
Na última quinta-feira (22), o Fantástico foi à sede da Ideia Digital, em Salvador, na Bahia.Paulo de Tarso, o dono da empresa, falou por telefone e negou oferecimento de propina: "Óbvio que não. É uma empresa que tem um histórico absolutamente sério de atuação".
No dia seguinte, o gerente Paulo Sacerdote se defendeu. Disse que só falou em propina porque o produtor insistiu. "O fato é que ele insistiu tanto e, até pra eu interromper a conversa, eu comecei a dizer assim: 'para o senhor, 5% é o suficiente? Voltei pra empresa onde alinhei toda a nossa diretoria a conversa tida com esse gestor e tecnicamente, financeiramente, o que ele estava propondo e automaticamente, isso foi rechaçado. Não temos qualquer interesse de estar ofertando propina, seja lá pra quem for."